Há uma grande discussão pelo mundo sobre a “sociedade do cansaço”. Onde seu principal formulador é um coreano que ensina filosofia em Berlim, Byung-Chul Han, cujo livro com o mesmo título acaba de ser lançado no Brasil (Vozes 2015). Com o objetivo de possibilitar o acesso a esta temática, que de alguma forma, está relacionada ao mundo do trabalho e as suas inter-relações, a CIPA/HRSJ reproduz abaixo um texto que trata sobre o cansaço na sociedade moderna.
A Sociedade do Cansaço
Que maneira de viver, que sintomas, que doenças estão a marcar-nos hoje?Que mudanças e aprendizagens urge lançar?Uma breve apresentação do livro “A Sociedade do Cansaço” de Byung-Chul Han, em colaboração com o Mensageiro de Santo António
Byung-Chul Han é sul-coreano. Depois de estudar Metalurgia no seu país natal, rumou à Alemanha, onde se doutorou em Filosofia, sendo actualmente professor na Universidade de Artes de Berlim. É sobre a sua obra «A Sociedade do Cansaço» que nos debruçamos.
A sociedade ocidental do século XXI é uma sociedade marcada pelas doenças neuronais – depressão, stress, hiperactividade, deficit de atenção (repare-se nas crianças!). Estas doenças ocupam hoje o lugar antes ocupado por doenças bacteriais ou virais, como a tuberculose ou a gripe. Mas as doenças bacteriais ou virais consistem essencialmente em elementos externos (bactérias, vírus) que afectam o nosso corpo, e aos quais podemos levantar defesas; já as doenças neuronais, por outro lado, vêm de dentro de nós, tornando-se a sua cura mais difícil.
É o estilo de vida ocidental que está a provocar esta onda crescente de doenças, com efeitos devastadores nas relações, nas famílias, na vida pessoal. Trata-se «da violência da positividade, que resulta da super-produção, do super-rendimento e da super-comunicação». O contexto laboral que marcou grande parte do século XX – industrial, disciplinado – está a mudar: hoje, as palavras-chave são motivação, iniciativa, rendimento. Muda o âmbito da violência: já não uma violência vinda de fora – as ordens dadas por um patrão, as sirenes das fábricas – mas uma violência que se exerce na pessoa a partir de dentro – na necessidade de ser produtiva, audaz, empreendedora. Mas, e quando a pessoa não consegue atingir os «objectivos» a que se propõe e a que é proposta?
É a sociedade do «yes, we can», do «like». Como lidamos com o fracasso, experiência fundamental numa vida humana em construção, mas uma experiência que não tem lugar na sociedade moderna? Hoje, o trabalhador modelo é o trabalhador capaz domultitasking – ser capaz de realizar, na perfeição, múltiplas tarefas, ao mesmo tempo. Mas as grandes criações humanas – na ciência, na cultura, na arte – só foram possíveis através de longos períodos de atenção, silêncio e concentração. Do mesmo modo, as nossas relações familiares sofrem quando somos incapazes de lhes conceder a nossa total atenção – algo difícil no meio de todas as distrações e solicitações que nos atingem. O excesso que caracteriza a sociedade ocidental – excesso de informação, de comunicação, de emoções, de objectivos – provocam uma dispersão na pessoa, uma incapacidade de estar centrada, um desgaste mental e físico insuportável.
Como lidar com esta realidade? Como aprender a gerir e a controlar os infinitos estímulos que nos afectam, desde a comunicação à internet, passando pelas imagens e pela violência dos telejornais? Como ser capaz de «desligar»? Urge (re)aprender a arte da atenção, da escuta, do silêncio, do deter-se, do dar espaço, do não cair nas «engrenagens» de consumo e produção, para que o ser humano não se converta «numa máquina de rendimento, cujo objectivo consiste no funcionamento sem alterações e no máximo de rendimento».
Trata-se de crescer na pedagogia do olhar: «Aprender a ver significa acostumar o olho a observar com calma e com paciência, a deixar que as coisas se aproximem dos nossos olhos, quer dizer, educar o olho para uma profunda e contemplativa atenção, para um olhar alargado e pausado. Este aprender a olhar constitui o primeiro ensinamento preliminar para a espiritualidade». Curiosamente, o autor termina a sua obra propondo um outro tipo de Cansaço – o cansaço do Sábado bíblico, do descanso como um criar espaço, um dia em que – segundo o texto bíblico – Deus já não cria e, por isso, a Criação pode chegar à sua Plenitude. Trata-se, para o autor, de permitir que o Espírito inspire.
Byung-Chul Han, “A Sociedade do Cansaço”, Lisboa 2014. Artigo publicado na edição de Março do Mensageiro de Santo António